quarta-feira, 1 de abril de 2009

António de Oliveira Salazar

O Ser Humano, como se sabe, não prima pela perfeição. É um produto defeituoso que veio ao mundo cheio de problemas por resolver. É uma criatura incompleta altamente vulnerável, é uma obra inacabada… enfim já perceberam.

Uma das avarias mais evidentes no indivíduo é a questão da memória. Rapidamente nos esquecemos das desgraças que nos aconteceram. Pior do que isso, adulteramos o passado com paninhos quentes e transformamos a desventura numa história mais decorosa.

Um bom exemplo de que o chip da memória está danificado é o fenómeno Salazar. De repente transformou-se numa figura simpática de quem toda a gente quer ser amiga. Ganhou o concurso do “Melhor Português de Todos os Tempos”, escrevem-se livros sobre ele como nunca (Enquanto Dormia, os Amores de Salazar, As Férias de Salazar, As Comidas Preferidas de Salazar, A Lingerie predilecta de Salazar, etc.), aparece em séries de televisão convertido em garanhão (por amor de Deus!) e até tem página no Facebook. Só faltam as t-shirts tipo Che Guevara para ser um icone pop à escala mundial!

Este boneco saiu em 2007 na já extinta Magazine – Grande Informação juntamente com o texto que segue de seguida.

Salazar

Ai Salazar... Salazar! Faz bem repetir este nome. Ajuda a ultrapassar o trauma. Já passaram mais de trinta anos e ainda há muita gente que acorda a meio da noite, a berrar: “Não! Salazar! Nãããããão! Conseguiremos algum dia livrar-nos deste fantasma?
Ai Salazar... Salazar! Mais vale parar com esta brincadeira antes que algum ex-PIDE se lembre de me cortar o pio.
Como é que este apelido, tão escasso na lista telefónica de Lisboa, ainda perturba tanta gente? Como é que este nome de ditador Sul Americano, ainda se tem de pronunciar baixinho? Apetece dizer calma! Morreu há muito tempo, já não vai fazer mal a ninguém. Mas este espectro que ainda nos afecta a todos deve-se ao facto de Salazar ter sido um pai para nós durante quarenta anos. Um pai à moda antiga, em que os filhos se tinham que vergar e beijar a mão. E como em todas as relações de filiação haviam os filhos cumpridores, bajuladores e preferidos, que dispunham de todas as regalias e os filhos rebeldes que eram desprezados, encarcerados, torturados e inclusivamente mortos.
Este parentesco até começou muito bem. Ao princípio Salazar era o menino bonito do Vaticano e punha em prática a célebre máxima “Deus, Pátria e Família”. Estava genuínamente convencido saber o que era melhor para os seus fifis. Pôs o país na ordem, era admirado e respeitado. Se tivesse democratizado o regime na altura teria ganho as eleições nas calmas. Mas mesmo em ditadura, manteve-se anos e anos no poder com o consentimento da população. O problema foi não ter conseguido acompanhar os sinais dos tempos. O Mundo estava em mudança e este “brilhante” estadista não deu por isso. Aliás deu por isso, que de parvo não tinha nada, mas preferiu trancar o país a sete chaves. Ainda hoje estamos a pagar essa factura.
Goste-se ou não do Salazar, temos de admitir que foi uma figura marcante. A verdade é que nenhum ser humano o derrubou. Esse papel coube a uma cadeira. E nem depois de se ter estatelado no chão tiveram coragem de lhe dizer que já não governava. Ainda hoje está muito presente na nossa vida. Basta-nos ir a uma repartição de finanças para sentirmos na pele a sua herança. A mesquinhez, o derrotismo, a nostalgia e o fatalismo que caracterizam o nosso povo também fazem parte do seu legado. Não nos livramos dele assim tão facilmente. É preciso mais tempo. O tempo cura tudo e esse mesmo tempo joga a favor de Salazar.
A minha teoria é que todos estamos cheios de saudades dele. Os de direita por nostalgia dos bons velhos tempos e os de esquerda por falta de um bode expiatório à altura.

Se estivéssemos no tempo do Estado Novo este texto seria obviamente censurado. Não tanto pela mensagem mas principalmente pela fraca qualidade literária. Nem tudo era mau naquele tempo.

12 comentários:

Geraldes Lino disse...

Caro Pedro Ribeiro Ferreira
Apesar de a minha área ser a Banda Desenhada, como sabe, não deixo de considerar o Cartunismo como uma arte também muito importante, bem como os cartunistas (ou caricaturistas, em português genuíno a definição é Caricatura e não Cartune, muito menos "Cartoon", estrangeirismo querido pelos caricaturistas num país adorador de estrangeirismos).
Depois deste preâmbulo, tenho a dizer que achei muito boas as suas duas caricaturas de Salazar (ou melhor, aquela caricatura nas suas duas versões), e considerei curioso o seu texto. Em relação a este, apenas a seguinte discordância:
Quando diz "Como é que este nome de ditador Sul-Americano ainda se tem de pronunciar baixinho?", julgo que, se calhar, ainda nunca lhe aconteceu ouvir, dita em voz bem alta, a seguinte frase, ou parecida: "Ah grande Salazar, fazes cá muita falta". Ou, noutra versão: "Isto só lá ia com um Salazar, ou mais do que um".
Como costumo dizer, já estamos no 26 de Abril, e os saudosistas salazaristas sentem-se à vontade para falar alto de Salazar (alguns deles talvez antigos pides, quem poderá saber?). Estiveram calados durante uns tantos anos, mas a pouco e pouco começaram a sentir as costas quentes.
Ainda a semana passada andei pelo Minho, e num café lá apareceu um sujeito, vestido à "senhor" (talvez um antigo pide...) a elogiar alto e bom som o seu (dele) querido "botas".
Espero que não voltemos ao 24 de Abril, mas os tempos estão difíceis, e o panorama político não dá grandes garantias de isso não acontecer.

turcios curriculum disse...

BUENÍSIMAS CARICATURAS. SALUDOS!

MouTal disse...

Meu caro
Gostei do seu texto e das observações do amigo Geraldes.
Eu a melhor recordação que tenho dessa besta foi a de ver a passagem,em Alcântara, do comboio especial que levou o cadáver (adiado) dos Jerónimos para Santa Comba Dão.
E Também me lembro de um dia no pós 25Abril,passar por Santa Comba e ver a estátua decapitada desse FDP.
Mas ainda lhe conto mais...sou dos poucos portugueses vivos que apertou a mão ao "Dinossauro Excelentíssimo",quando daquelas manifestações de apoio à política ultramarina em 1961,e que trouxe a Lisboa milhares de portugueses.
Eu era aluno dos Pupilos do Exército,estava de férias grandes,e fui convocado por telegrama para me apresentar no Instituto,cortar o cabelo e de farda de gala ir ao Palácio de S.Bento e esperar numa fila interminável a minha vez de apertar a mão do ditador.
Ainda hoje,quando ouço uma besta a tecer loas a tão sinistra personagem,tenho um ataque de vómitos.
Um abraço.

J.BOSCO disse...

excelente trabalho Pedro!!
fantásticas suas caricaturas!
abraços

PRF - Traços Gerais disse...

Caros amigos,

O texto tem 3 anos, desactualizado em relação ao que se passa actualmente em que o Salazar voltou a estar na moda. Na altura ainda não tinha acontecido aquela votação da Maior Figura de Portugal.

Aliás na introdução falo de um Salazar em alta e depois, no dito texto, já falo que o nome de Salazar tem de se pronunciar baixinho. Contradição.

Obrigado ao Geraldes Lino pela explicação sobre a palavra caricatura. Também gostava que a minha área fosse a BD. Para já só tenho tempo para o cartune. Um dia quem sabe.

Obrigado ao MouTal pelo seu testemunho. Espero que tenha funcionado como catarse

Cumprimentos a todos!

Skywalker disse...

Excelentes caricaturas. Bom texto e comentários. Hoje em Portugal vive-se a ditadura das maiorias absolutas lideradas por pessoas que pouco acrescentam ao desenvolvimento do País. Esperemos por um futuro de verdadeira democracia e competência dos políticos.

OMal disse...

Não está muito parecido com o Diogo Morgado, mas pronto.

leitora distraída mas atenta disse...

Não te subestimes quanto à prosa que é escorreita e faz inveja a muito jornalista. Pensando nas redacções que fazias em puto acredito que o próximo passo seja um romance tipo Guera e Paz

Anónimo disse...

Olá meu lindo!

Mais uma vez te felicito pelo teu trabalho, pelas caricaturas, pela forma como escreves e por tudo aquilo que mostras saber sobre Portugal, o nosso "povo" e dirigentes!

Dou sempre umas boas gragalhadas no meio destes dias de trabalho em que leio tudo um bocadinho a correr e na diagonal, não vá estar eu a tirar tempo ao patrão!!ahahaha!

MAS!!! cuidado com o vocabulário!! , mesmo tendo eu a certeza que foi prepositada esta tua comparação, é maldade meter os velhinhos ao barulho, também é demais!!!ahahaha!

Seja ela qual for essa "primeira vez", os velhinhos são velhinhos!!ahahahaha!

pirmeira vez, inexperiencia"#$%&/()=?

"A minha primeira vez foi em 2001, numa festa da caricatura em Vila Real. Ninguém se esquece da primeira vez. As minhas primeiras vítimas foram um grupo de velhotes vila realenses que tiveram imensa paciência para com a minha inexperiência.

Da bola? de que sempre falas... como qualquer homem, é normal saberes tudo isto! Eu cá só sei quem é o Figo por ser digamos que, um homem "chamativo"... ahahahaha!

Não posso ter gostado mais da descrição da vossa ida a Varsóvia, mas tua terra Natal? não estou a perceber?

Só te digo que adorei o reitor da Universidade, e vou instaurar lá em casa essa coisa dos chinelos, acho que ele tem toda a razão, a malta entrar em casa com os sapatos que pisou, escarros, merda etc na rua é demais!!!

Agora, imaginar aquela malta toda de chinelos a assistir ás aulas ?!?!!! desculpa mas é a própria da caricatura!! ahaha!

Bom , tenho de ir trabalhar!

JL

Naish da Neve disse...

Grande Pedro, a caricatura está excelente!
Quanto à personagem, começou bem mas acabou (muito) mal!
Acho que, com o passar do tempo, vai perder peso e perder-se nas brumas da história.
Está ainda muito presente e isso é mau. Não porque se deva esquecer o que ele fez de mau, que fez. Mas porque continua a ser desculpa num país pouco amigo de se desenvolver, em que é mais fácil justificar com derrotas passadas o não querermos, sequer, arriscar vitórias futuras.
Disse!
Abraços

FÁBRICA das CARICATURAS disse...

Grande amigo e colega de rabiscos...tenho acompanhado o teu blog e para alem dos excelentes traços com que nos brindas, tambem o teu bom humor é patente.
Continuação de bom trabalho "careta man" :)

Anónimo disse...

Boa noite.

Apresento-me como um aluno do 12º ano que vem pedir ajuda para um trabalho meu. Este trabalho reside no seguinte:
terei de fazer uma análise sobre as 'Caricaturas Portuguesas Dos Anos de Salazar', de João Abel Manta, numa aula de português. Como não entendo bem as caricaturas que devo analisar, recorro à sua ajuda.
Se me puder enviar a sua análise/ opinião/ comentário sobre as caricaturas que se apresentam neste blog http://galeriaphotomaton.blogspot.com/2008/04/joo-abel-manta-1-homenagem-no-cnbdi.html
,nomeadamente a 1ª, 2ª, 4ª, e a 17ª , para o e-mail: dark.major@hotmail.com , ficaria-lhe muito grato.

Com os melhores cumprimentos, João