sexta-feira, 27 de março de 2009

Ao vivo

Qualquer caricaturista que se preze tem de se fazer à estrada, ou seja tem de ir para a rua fazer caricatura ao vivo. Esta modalidade está para os caricaturistas como os concertos ao vivo estão para os músicos, sem rede e sem escapatória. Ao vivo não há truques de photoshop nem é possível fazer playback.
É muito mais fácil ficar sentadinho em casa no estirador a fazer calmamente os bonecos, sem a pressão do tempo, da luz, dos olheiros, das correntes de ar, da cadeira indecente, da perna dormente e das expectativas da pessoa de carne e osso que está à nossa frente.
Os pilotos de avião têm de fazer horas de vôo. Os caricaturistas têm de fazer horas de caricatura ao vivo para ganharem calo. Recomendo vivamente aos potenciais futuros caricaturistas e aos que estão no activo mas que não praticam, que arrisquem e façam o maior número possível de caricaturas com seres humanos vivos.
Quem sabe se um dia, com esta crise que anda por aí, não tenha que ir para a rua ganhar o pão que o diabo amassou para sustentar a família. É sempre bom ter na manga um recurso circense qualquer, seja malabarismo, seja apagar fogo com a boca, seja fazer de homem estátua, seja caricatura.
A minha primeira vez foi em 2001, numa festa da caricatura em Vila Real. Ninguém se esquece da primeira vez. As minhas primeiras vítimas foram um grupo de velhotes vila realenses que tiveram imensa paciência para com a minha inexperiência.
Desde então, sempre que tenho oportunidade, faço caricatura ao vivo. Não sou um especialista, não é o meu habitat natural, sou mais de estúdio, mas o meu traço só tem a ganhar com estas investidas.
O que serve de bitola para avaliar uma boa caricatura é o riso do modelo, é a prova dos nove da caricatura ao vivo, sendo a gargalhada histérica o objectivo máximo. Há excelentes caricaturistas que conseguem facilmente provocar esse êxtase. Numa primeira fase só conseguia arrancar sorrisos amarelos, hoje em dia já consigo uns sorrisos com umas palmadinhas nas costas à mistura, mas o que pretendo mesmo é um dia atingir a gargalhada mortal como a anedota dos Monty Python's.
A banda desenhada, o cartoon e a ilustração são artes solitárias, o autor fica isolado do mundo durante imenso tempo e inevitavelmente ganha tiques e manias de quem vive longe do mundo na sua gruta. A vantagem da caricatura é esta possibilidade de contacto humano que nos obriga a voltar à terra. Além de que temos o feedback do nosso trabalho logo ali na hora.
Se és jovem, se andas descontente e se tens alguma queda para a bonecada, tenta a tua sorte na caricatura.

A Caricatura oferece uma carreira profissional estável, com possibilidades de ascensão e formação contínua, havendo uma enorme valorização da componente humana.

A Caricatura oferece boas condições de habitabilidade, alimentação, cuidados com a saúde e integração no espírito de grupo, bem como um conjunto de medidas que permitem uma fácil integração no mercado de trabalho após o período de serviço.

Alista-te, junta-te aos caricaturistas e faz desta forma de arte o teu modus vivendi!

quarta-feira, 18 de março de 2009

Varsóvia

Cá estou de volta à minha terra Natal com a barriga cheia de cultura polaca, pierogis, vodkas, Chopins, Karois Voitilas e de insurreições contra os alemães.
Só agora consegui actualizar o blogue com o relato da estadia em Varsóvia. É uma hora de diferença, ainda estou com o jetlag.
Isto é um blogue sobre bonecada por isso vou passar rapidamente a parte turística. Quem quiser ver reportagens mais pormenorizadas sobre esta viagem pode ir aos blogues dos meus companheiros de expedição, Osvlado Macedo de Sousa humorgrafe.blogspot.com ou do Carlovski Laranjeira carloslaranjeiracartoon.blogspot.com. Nesta imagem iamos a caminho da universidade, o Osvaldo ia dar uma palestra sobre cartoon e caricatura enquanto eu e o Carlos Laranjeira faziamos caricaturas.
Estes são alunos universitários de um curso de 5 anos de português que assistiram à palestra. Todos eles falam e escrevem português fluentemente. Pergunto o que é que vão fazer com este curso?!?!?! Foi nesta aula que fizémos a primeira sessão de caricaturas. Escolhi uma professora que não deve ter gostado da caricatura que lhe fiz. Saiu mais cedo da aula e voltou sem o desenho. Provavelmente transformou o boneco em ripas numa daquelas máquinas de destruição de documentos.
Mais tarde foi a vez da inauguração da nossa exposição no Centrum Towicka. Disseram-nos que iam aparecer vários canais da Televisão Polaca para cobrir o acontecimento. A única que apareceu para uma entrevista foi uma menina da rádio universitária.


O povo polaco é muito simpático e muito organizado. São parecidos com os portugueses... na simpatia. Têm o gosto e o interesse pelas artes e pelos vistos pela caricatura também. Levei comigo uma caricatura do Papa João Paulo II que se revelou ser um bom cartão de visita. A própria directora da Exposição abraçou-se a mim tipo agradecimento pelo boneco. Depois contei-lhe que um caricaturista português tinha feito um Papa com um preservativo no nariz e a senhora ia-se engasgando com o vinho português que estava a beber.


Fizeram uns postais para a exposição com os nossos bonecos para oferecerem às visitas. Mais um gesto simpático da organização. Estas caricaturas que espalhei por este post são alguns exemplos da minha contribuição para a exposição. Sei que esta mesma bonecada vai andar a passear pela Polónia.
No dia seguinte fomos a uma escola secundária, mais palestras e sessões de caricatura ao vivo. Este é o director da escola que nos convidou para o seu gabinete para lhe fazermos a sua caricatura. Era simpático, ofereceu-nos chupas, mas ainda tinha alguns tiques do antigo regime ditatorial. Todos os alunos deste liceu eram obrigados a andar de pantufas para não estragar o chão de madeira.
Esta sala era enorme e estava bastante composta. Todos estes alunos estavam de pantufas.
Aqui estava a explicar como se faz uma caricatura. Lá atrás está uma aluna a tentar a sua sorte nesta arte com outra aluna como modelo. Desenhava muito bem. Houve outro aluno que se ofereceu para fazer uma caricatura sob a minha orientação. Eu tentava explicar-lhe em inglês que devia fazer um traço mais solto e saiu-me um "soltei-te yourself!"
A gastronomia era formidável. Aqui estávamos a brindar antecipadamente ao sucesso da viagem. Sempre que houve palhaçada mais embaraçosa faziamo-nos passar por espanhois. Os Nuestro Hermanos é que ficavam queimados. Em primeiro plano o incansável anfitrião do Instituto Camões, o professor José Carlos. Lá atrás está a Margarida, mulher do Osvaldo, veio em turismo e esteve sempre connosco.

Mais uma sessão de caricatura, desta vez numa livraria de Comics de um amigo polaco do Zé Carlos. Condições miseráveis, havia pouca luz. Valeu aquela garrafa de licor que estávamos a beber com 95% de teor alcoólico. Era o que dizia no rótulo.
Aqui já é o festival de Banda Desenhada de Varsóvia, o equivalente ao nosso da Amadora. Os nossos nomes estão patentes nestes cartazes.
Trabalhámos que nem uns mouros.
Os polacos até não são difíceis de caricaturar, têm caras cheias de atributos com elementos que ajudam a identificar, tipo chapéus, óculos, pêras, bijuteria, etc.
As mulheres são geralmente mais dificeis de caricaturar e também mais susceptíveis. E quanto mais bonitas mais difíceis como foi o caso das polacas. Todas parecem umas princesas, desde a mulher do lixo à mulher que limpa as latrinas.
Outro elemento importante foi a nossa tradutora: Dorota Kwinta, também do Instituto Camões e também professora universitária de português. Aqui está a traduzir mais uma palestra do Osvaldo sobre a caricatura e o cartoon desportivo em Portugal.
E ao 5º dia lá descansámos depois de uma epopeia de caricaturas. A nossa amizade sobreviveu a este teste (entre todos os elementos da comitiva). O Vodka ajudou!

terça-feira, 10 de março de 2009

Digressão à Polónia

Estou de partida numa digressão à Polónia, para promover uma exposição de caricaturas da malta da bola, que está incluída nos Encontros de Banda Desenhada de Varsóvia, patrocionada pelo Instituto Camões e organizada pela Humorgrafe. Esta mesma colecção de bonecos esteve o ano passado exposta no Festival de BD da Amadora e pelos vistos teve saída na Polónia uma vez que foi transladada para lá. Obviamente que o mérito deve-se ao Dr. Osvaldo de Macedo de Sousa (Humorgrafe) que conseguiu esta proeza através dos seus conhecimentos. Esta é a imagem do cartaz promocional da nossa exposição. Está em polaco, espero que não nos estejam a chamar palhaços.

Esta exposição é só de caricaturas das figuras do futebol que fizémos para a colecção dos livros das Caretas. Somos 3 autores, eu, o Carlos Larajeira (Record/Correio da Manhã) e o Ricardo Galvão (Bola). Tudo começou em 2004 quando fizémos o primeiro livro, o Euro de Caretas baseado numa ideia peregrina do jornalista da SportTv Luís Miguel Pereira. O Editor ficou de tal maneira espantado com as vendas que depois desse livro já fizémos mais 4 e estamos a tratar do 5º.
Sempre houve o estigma em Portugal de que a caricatura é uma arte menor, de rua e que "não vende". Nunca concordei com esse rótulo. A prova de que afinal a "caricatura vende" são os números desta colecção das Caretas. O facto de estarem associadas ao futebol também ajudou, mas não deixam de ser caricaturas e confirma-se que as pessoas normalmente gostam e compram livros com este tipo de bonecada.
Depois do Euro de Caretas fizémos o Caretas do Mundial, o Caretas do Benfica, o Caretas do Sporting (o meu preferido) e o Caretas do Porto. Neste momento estamos a fazer as Caretas da Democracia, um tema completamente diferente, para um público também diferente com os políticos portugueses pós 25 de Abril; Mário Soares, Sá Carneiro, Cunhal, Cavaco, etc... Vamos ver se um livro fora do mundo do futebol "também vende". Infelizmente tudo anda à volta do "vender ou não vender".
Estas caricaturas que apresento neste post são algumas das minhas que vão estar patentes na exposição de Varsóvia (acho eu). Bem se não forem específicamente estas serão umas parecidas. As mais recentes estão melhores que as mais antigas. Dá para ver a evolução.
Na Polónia vamos ter conferências e palestras e também sessões de caricatura ao vivo. Não tenho bem a certeza porque algumas das instruções viream em polaco. Arrancamos 4ª feira dia 11 e regressamos domingo dia 15. Durante esse tempo este blogue vai estar "morto". Dos caricaturistas das caretas vou eu e o Carlos Laranjeira além do organizador Osvaldo Macedo de Sousa. O Ricardo Galvão fica em terra por motivos de agenda. Snif!

quarta-feira, 4 de março de 2009

Educação

Ai, ai, que falta faz a educação neste país. Já nem falo da educação escolar, falo principalmente da educação cívica. Não sei se é um sintoma de envelhecimento, mas cada vez utilizo mais, no dia a dia, uma expressão que era típica da minha avó: “Cambada de selvagens!” Aliás a minha avó limitava-se ao “selvagens!” eu é que acrescentei o “cambada”.

Outro sintoma de que o processo de envelhecimento está a decorrer na minha pessoa é o facto de achar que a juventude está perdida. Proclamo indignado, em alto e bom som que no meu tempo as coisas não eram assim, esquecendo-me completamente de que pertenci e pertenço à célebre “Geração Rasca”.

Ficou tudo muito escandalizado com a peixeirada na Escola Carolina Michaelis, com a cena da menina a pedir gentilmente o telemóvel de volta à professora. Eu também achei, numa primeira reacção, que tínhamos batido no fundo. Mas depois pensei calmamente sobre assunto, e pondo de parte este meu novo estatuto de homem sério, cheguei à conclusão que as coisas no “meu tempo” não eram muito melhores.

Assim de repente lembro-me de algumas histórias do tempo em que andei no liceu:
de uma explosão brutal que destruíu a casa de banho, meteu polícia e tudo; de um incêndio no ginásio provocado por dois alunos que não queriam ter ginástica sábado de manhã, mais uma vez meteu polícia; de um aluno chamado Piriquito, da minha aula, a pegar fogo ao cabelo de outra aluna chamada Leocádia; de uma bomba de carnaval a explodir enquanto se cantava os parabéns a um professor; de batalhas campais; de bombardeamentos aos professores com papéis molhados; das guerras de ovos, das fisgas, dos elásticos com grampos, etc, etc, etc.

Vendo bem, as coisas não estão piores. Se calhar até estão melhores. A diferença é que na altura não havia telemóveis para filmar os acontecimentos.

Fiz este cartoon para o Bronkit que vai sair em Março sob o tema “Educação”.